07 fevereiro 2018

Algumas considerações a respeito do frio


(Foto de autor desconhecido)


As palavras que se seguem não são dirigidas a pessoas com a saúde debilitada, em razão de doença, idade avançada ou outra condição. As pessoas que se encontram nesta situação devem tomar todas as precauções possíveis para se resguardarem do frio e das suas consequências.


O explorador norueguês Roald Amundsen (1872–1928) dirigiu a primeira expedição que conseguiu atingir o Polo Sul, em dezembro de 1911. A mesma sorte não teve o explorador britânico Robert Scott (1868–1912), que morreu vítima do frio extremo. Perguntaram uma vez a Amundsen a razão do seu êxito. Amundsen respondeu que ele se deveu ao facto de que desde pequeno se tinha habituado ao frio, dormindo sempre com a janela aberta, mesmo no auge do mais rigoroso inverno norueguês.

Quem mora numa cidade nem sempre terá a possibilidade de dormir com a janela aberta. Aclaridade da iluminação pública, o ruído do trânsito ou a oposição manifestada pelo nosso companheiro ou companheira de cama (se houver) impedem tal propósito. Mas existem outros meios para nos adaptarmos um pouco mais ao frio do inverno, que este ano está a ser mais rigoroso do que os anteriores.

Quando eu era uma criança pequena, a minha mãe (como todas as mães) obrigava-me a vestir roupa em cima de roupa no inverno, quase até sufocar… O que mais me custava vestir eram as grossas camisolas interiores e as grossas calças de fazenda, que me picavam a pele como se fossem forradas a escova de arame. Como a minha família não nadava em dinheiro, a roupa que a minha mãe me comprava era tão barata quanto possível. As camisolas interiores e as calças de fazenda eram, por isso, extremamente ásperas. Eram verdadeiros instrumentos de tortura.

Uma vez, quando eu tinha cerca de sete anos, revoltei-me. Numa manhã fria de inverno, enquanto me preparava para ir para a escola, a minha mãe, como sempre fizera, vestiu-me uma áspera camisola interior. Despi-a imediatamente a seguir e vesti a camisa por cima da pele nua. Apesar do arrepio que então me percorreu as costas, porque a camisa me pareceu gelada, senti uma extraordinária sensação de alívio, porque a camisa era fina e suave, em contraste com a aspereza da camisola interior. Para meu enorme espanto, a minha mãe não só não me ralhou, como dobrou e voltou a arrumar a camisola na gaveta, enquanto eu vestia o resto da roupa. Fui para a escola sem camisola interior, aliviadíssimo por não trazer a "escova de arame" vestida. E nunca mais usei camisolas interiores até hoje, sejam elas ásperas ou suaves, a não ser quando estou engripado.

Como a minha mãe tinha aceitado a minha recusa em usar camisola interior, tive logo a seguir um segundo ato de rebeldia. Em vez de vestir as grossas e ásperas calças de fazenda que a minha mãe queria que eu vestisse, vesti uns finos calções de verão e fui para a escola de calções. Mais uma vez a minha mãe não reagiu e não me ralhou. Passei então a andar sempre de calções, 365 dias por ano, mesmo nas mais frias manhãs de geada, até ter cerca de 15 anos de idade. Só aos 15 anos, com efeito, é que voltei a usar calças compridas, que eram macias porque era eu que as escolhia…

Em criança, portanto, habituei-me a andar com pouca roupa e de pernas ao léu. E não adoeci mais por causa disso. A única doença que eu apanhava era gripe. De resto, nunca tive nenhuma das outras doenças que todas as crianças do meu tempo apanhavam. Apesar de eu conviver e brincar com elas todos os dias, nunca apanhei sarampo, nem varicela, nem papeira, nem escarlatina, nem nenhuma outra doença infecciosa que não fosse gripe. Será que o facto de eu andar com pouca roupa contribuiu para reforçar as minhas defesas naturais?

Ainda hoje sou calorento, embora não seja tanto como na minha infância e adolescência, nem pouco mais ou menos. Sabe tão bem sentir o fresquinho, mesmo no inverno!

Eu não sou um entendido no assunto, nem sequer me preocupei alguma vez com isso, mas agora que o frio aperta, recordo o que se passou comigo ao longo da minha vida, a respeito do frio e do calor, e permito-me tirar algumas conclusões, que são puramente empíricas.

A primeira conclusão a que chego é que as pessoas agasalham-se excessivamente no inverno. Tendem a manter uma temperatura constante do corpo em todas as situações. A mais pequena aragem provoca-lhes então arrepios, acessos de tosse e espirros. Ora no verão as pessoas expõem o seu corpo, por vezes, a temperaturas bastante baixas. Basta passarem algumas horas numa praia da costa ocidental de Portugal Continental num dia de nortada. Neste caso, as pessoas sentem frio, arrepiam-se, até tremem de frio, mas não se constipam! Então porque é que no inverno a mais breve exposição do seu corpo a uma temperatura mais baixa lhes provoca imediatamente um resfriado?

Os seres humanos povoaram todo o planeta e não apenas as suas zonas mais temperadas. E sobreviveram. Nós não somos umas flores de estufa, que precisam de estar permanentemente protegidas. Temos uma capacidade de nos adaptarmos à temperatura ambiente que é bem maior do que imaginamos. Esta adaptação é incómoda? Mais incómodos são os resfriados e constipações. De qualquer modo, não é preciso cometer loucuras. Um pouco de adaptação é suficiente. Nós não vamos para um rio da Sibéria nadar num buraco aberto no gelo, pois não?

Recomendo, então, que se passe a usar menos roupa, mas com conta, peso e medida. Raramente está tanto frio como imaginamos que está, mas mesmo que esteja tanto frio assim, pode ser que o nosso corpo o aguente com um pouco menos de roupa. Normalmente aguenta. Se não aguentar, então não devemos hesitar em nos agasalharmos e aquecermos, inclusive em excesso, até que o nosso corpo retome a sua temperatura normal. A nossa saúde é preciosa.

Procuremos andar ao ar livre sempre que possível. O ar frio revigora o organismo e até faz emagrecer, sem necessidade de dietas. O frio ajuda a eliminar calorias, que são dissipadas do nosso corpo por irradiação. Se também pudermos fazer exercícios físicos, tanto melhor.

Pode não ser possível dormirmos com a janela aberta, como fazia Amundsen, mas é possível dispensar o uso de botijas de água quente na cama, é possível dispensar o emprego de aquecedores no quarto de dormir, é possível dispensar o emprego de cobertores elétricos (que além do mais podem provocar incêndios!), é possível mesmo dispensar o uso de roupa de dormir, como pijamas e outras peças, entrando na cama tal como viemos ao mundo. Desde que haja cobertores suficientes na cama, porque não? É o que eu faço. Só quando estou engripado é que durmo de pijama, mas sempre sem aquecimento da cama e do quarto. É claro que esta recomendação só se deve pôr em prática se a pessoa que dormir connosco (se houver alguma) estiver de acordo.

Pela manhã, devemos lavar a cara, o pescoço, as orelhas, etc., com água fria. Esta é uma prática que até a minha mãe recomendava. A nossa cara costuma andar a descoberto e só ganharemos em habituá-la a suportar melhor o frio. Note-se que eu não recomendo um banho completo de água fria, que no inverno é particularmente enregelante! Só aconselho a lavar a cara e áreas adjacentes. Uma coisa é irmos à praia no dia de Ano Novo dar um mergulho no mar, cuja água está a uma temperatura da ordem dos doze a catorze graus Celsius, na costa ocidental de Portugal Continental durante o inverno; outra coisa é tomar um banho frio em casa, em que a água sai da torneira ou do chuveiro a uma temperatura que no inverno pode ser consideravelmente inferior a dez graus. Certamente não vamos querer apanhar uma pneumonia.

Quem passa o dia a trabalhar num ambiente aquecido, como num escritório com aquecimento centralizado ou numa fábrica ou oficina em que há fontes permanentes de calor, tais como fornos e caldeiras, ou em que há aquecimento centralizado também, então sabe como é particularmente penoso sair para a rua no fim do dia de trabalho. Mal se põe os pés fora da porta, apanha-se subitamente com o ar frio na cara como se fosse uma bofetada. Uma pessoa nesta situação deve fazer um esforço para se habituar rapidamente ao frio, procurando, tanto quanto lhe for possível, correr ou fazer uma caminhada vigorosa, literalmente para aquecer. Só depois poderá entrar no carro, sem necessidade de ligar o aquecimento, ou apanhar o transporte público para regressar a casa.

O uso de luvas e meias grossas é muito recomendável. As mãos e os pés quentes são meio caminho andado para nos sentirmos quentes por inteiro, mesmo que vistamos pouca roupa. Se o sangue consegue fluir até às extremidades do corpo, mantendo-as quentes, então flui pelo resto do corpo todo, mantendo-o quente também. Nesta situação, podemos andar com pouca roupa no resto do corpo, adaptando-o ao frio, sem que sintamos esse mesmo frio. Se não tivermos luvas connosco, poderemos andar com as mãos metidas dentro dos bolsos, está claro, mas com o casaco desapertado, para habituarmos o nosso corpo ao frio. Não há nada mais desagradável, de resto, do que sentir as mãos e os pés gelados.

Se, por qualquer motivo, começarmos a ter arrepios e a tremer de frio, devemos tentar controlar estes arrepios e tremores. Se o conseguirmos, rapidamente deixaremos de sentir frio. Até parece milagre. Mas se os tremores e arrepios se mantiverem, apesar dos nossos esforços para os controlar, então deveremos agasalhar-nos logo, porque a tolerância do nosso organismo ao frio poderá estar a ser ultrapassada e corremos o risco de apanhar um resfriado.

Como em tudo na vida, tem de haver prudência e moderação. Nada de exageros. Sentir o fresquinho do inverno sabe muito bem (eu que o diga), mas não justifica que se cometam disparates e loucuras. Bom inverno (na medida do possível).


(Foto de autor desconhecido)

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