28 abril 2014

O suporte da música

o suporte da música pode ser a relação
entre um homem e uma mulher, a pauta
dos seus gestos tocando-se, ou dos seus
olhares encontrando-se, ou das suas

vogais adivinhando-se abertas e recíprocas,
ou dos seus obscuros sinais de entendimento,
crescendo como trepadeiras entre eles.
o suporte da música pode ser uma apetência

dos seus ouvidos e do olfacto, de tudo o que se
ramifica entre os timbres, os perfumes,
mas é também um ritmo interior, uma parcela
do cosmos, e eles sabem-no, perpassando

por uns frágeis momentos, concentrado
numa ponto minúsculo, intensamente luminoso,
que a música, desvendando-se, desdobra,
entre conhecimento e cúmplice harmonia.

Vasco Graça Moura (1942-2014), in Poemas com Pessoas, Quetzal Editores, Lisboa, 1997


(Foto de autor desconhecido)

25 abril 2014

Revolução

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro inícío
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)


(Foto: Eduardo Gageiro)

24 abril 2014

Requiem pelas Vítimas do Fascismo em Portugal


Requiem pelas Vítimas do Fascismo em Portugal, op. 210, de Fernando Lopes-Graça (1906-1994), por Sílvia C. Mateus (soprano), Mila Shkirtil (meio-soprano), Boris Stepanov (tenor), Mikhail Lukonin (barítono), Piotr Migunov (baixo), Orquestra Filarmónica de São Petersburgo e Coro da Catedral Smolny de São Petersburgo. Maestro: Mário Mateus

23 abril 2014

Tradição e modernidade — 2

Duas moças mumuílas numa rua do Lubango, Angola (Foto: Hill DO Foto Dadilson)

22 abril 2014

Coro da Primavera


Coro da Primavera, de Zeca Afonso (1929-1987), pelo Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra

21 abril 2014

Metralhadoras cantam

Acenderam-se as armas pela noite dentro.
Quem rebenta? Quem morre? Quem vive? Quem berra?
Há um vento de lamentos no lamento do vento.
Metralhadoras cantam a canção de guerra.

Cantam granadas a canção da morte.
E há uma rosa de sangue à flor da terra.
Morrer ou não morrer é uma questão de sorte.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

Cantam bazucas e morteiros e estilhaços
Cantam esta canção do aço que não erra
No espaço do seu fogo o espaço entre dois braços.
Cantam metralhadoras a canção da guerra.

Há um tiro que parte. Há um corpo que tomba.
Nesta boca fechada há um morto que berra.
Quem estoira no meu peito: o coração? Uma bomba?
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

Todo o tempo é uma batalha. Ataque. Fuga.
Fuga. Ataque. Silêncio. Um silêncio que aterra.
Que marca o rosto com seu peso ruga a ruga.
Um silêncio que canta a canção da guerra.

Mina. Emboscada. Pó. Pólvora. Sangue. Fogo.
Acerta não acerta? Erra não erra?
Perdeu todo o sentido dizer-se até logo.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

Cada segundo pode ser o último segundo.
Como enterrar os mortos que a memória desenterra?
Há um poço tão fundo tão fundo tão fundo.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

Há um soldado que grita eu não quero morrer.
E o sangue corre gota a gota sobre a terra.
Vai morrer a gritar eu não quero morrer.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

Houve um que se deitou e disse: até amanhã.
Mas amanhã é o dia em que se enterra
o soldado que disse: até amanhã.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

E um jipe corre pela noite dentro.
Avança não avança? Emperra não emperra?
Passam balas de chumbo nas balas do vento.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

E há duzentos quilómetros de morte
em duzentos quilómetros de terra.
Neste caminho de Luanda para o Norte
metralhadoras cantam a canção da guerra.

Manuel Alegre

Cena da Guerra Colonial em Angola: ação de combate com rebentamento de uma mina (Foto de autor desconhecido)

20 abril 2014

Exultação


Te Deum, moteto polifónico em ré maior, H. 146 (isto é, nº 146 do catálogo elaborado por Hugh Wiley Hitchcock), do compositor francês Marc-Antoine Charpentier (1643-1704), por Felicity Lott (soprano), Eiddwen Harrhy (soprano), Charles Brett (contralto), Ian Partridge (tenor), Stephen Roberts (baixo), Coro do King's College de Cambridge e o agrupamento instrumental da Academia de St. Martin in the Fields. Direção de Philip Ledger

19 abril 2014

Lenda da origem dos diamantes

Construção de uma oca, habitação tradicional, por um índio do povo Kuikuro. Parque Indígena do Xingu, Mato Grosso, Brasil (Foto: Instituto Socioambiental)

Há muito tempo, vivia à beira de um rio uma tribo de índios. Dela fazia parte um casal muito feliz: Itagibá e Potira. Itagibá, que significa braço forte, era um guerreiro robusto e destemido. Potira, cujo nome quer dizer flor, era uma índia jovem e formosa. Vivia o casal tranquilo e venturoso, quando rebentou uma guerra contra uma tribo vizinha. Itagibá teve de partir para a luta. E foi com profundo pesar que se despediu da esposa querida e acompanhou os outros guerreiros. Potira não derramou uma só lágrima, mas seguiu, com os olhos cheios de tristeza, a canoa que conduzia o esposo, até que a mesma desapareceu na curva do rio.

Passaram-se muitos dias sem que Itagibá voltasse à taba(1). Todas as tardes a índia esperava, à margem do rio, o regresso do esposo amado. Seu coração sangrava de saudade. Mas permanecia serena e confiante, na esperança que Itagibá voltaria à taba. Finalmente, Potira foi informada que seu esposo jamais regressaria. Ele havia morrido como um herói, lutando contra o inimigo. Ao ter essa notícia, Potira perdeu a calma que mantivera até então e derramou lágrimas copiosas.

Vencida pelo sofrimento, Potira passou o resto de sua vida, à beira do rio, chorando sem cessar. Suas lágrimas puras e brilhantes misturaram-se com as areias brancas do rio. A dor imensa da índia impressionou Tupã, o rei dos deuses. E este, para perpetuar a lembrança do grande amor de Potira, transformou suas lágrimas em diamantes. Daí a razão pela qual os diamantes são encontrados entre os cascalhos dos rios e regatos. Seu brilho e sua pureza recordam as lágrimas de saudade da infeliz Potira.

in Lendas e Mitos do Brasil, de Theobaldo M. Santos

(1)Taba — Aldeia indígena do Brasil, reunião de 4 a 10 ocas.

17 abril 2014

Lamentações


Lamentatio, do compositor português Fr. Manuel Cardoso (1566-1650), por um coro não identificado. Manuel Cardoso foi um compositor e frade carmelita alentejano nascido na vila de Fronteira, que viveu no convento do Carmo em Lisboa. Faleceu em Lisboa


Lamentação de Quinta-Feira Santa, do compositor português Diogo Dias Melgás (1638-1700), pelo agrupamento britânico The Sixteen, dirigido por Harry Christophers. Diogo Dias Melgás foi um compositor alentejano nascido na vila de Cuba, que veio a ser mestre de capela da Sé de Évora. Faleceu em Évora cego e na miséria

16 abril 2014

Ordem de prisão contra Zeca Afonso

Ordem da PIDE/DGS para prender o cantor Zeca Afonso (Foto: página Antigamente É Que Era "bom" do Facebook)

14 abril 2014

O chefe de orquestra


Il Maestro di Capella, intermezzo operático jocoso em um ato, do compositor italiano Domenico Cimarosa (1749-1801), pelo barítono italiano Maurizio Muraro e uma orquestra não identificada (talvez seja a Orquestra Barroca de Amesterdão) dirigida pelo maestro holandês Ton Koopman

11 abril 2014

A capela circular de Janas

Capela de São Mamede, Janas, Sintra (Foto: Pedro Macieira)


Janas é uma aldeia situada a cerca de 1 km de Azenhas do Mar e de 2 km da Praia das Maçãs, no concelho de Sintra. É terra de pinhais, campos de cultivo e vinho de Colares. É uma povoação predominantemente rural, portanto.

Há em Janas uma capela que tem a particularidade de ter planta circular, em vez de a ter retangular ou quadrada, e que é dedicada a São Mamede. Não há muitas capelas como esta em Portugal. De momento, só me lembro de uma outra capela que tem planta circular, existente em Cabanas de Azeitão, no concelho de Setúbal, e sobre a qual nada sei.

Porque é que a capela de São Mamede de Janas tem planta circular? Diz-se que a razão reside no facto de ela ter sido construída no local em que terá existido uma edificação anterior à ocupação romana e que os romanos terão aproveitado para erguer, por sua vez, um templo dedicado à deusa da caça, Diana. Há quem diga, mesmo, que o topónimo Janas deriva precisamente de Diana. A capela atual data provavelmente do séc. XVI ou XVII.

A capela circular de Janas é o centro de uma romaria dedicada a São Mamede, que se realiza todos os anos entre os dias 15 e 17 de agosto. Ora São Mamede é considerado protetor do gado. Por isso, os lavradores da região de Colares, Sintra, Mafra e mesmo de Torres Vedras levam o seu gado até à festa de São Mamede de Janas. Bois, cavalos, burros e outros animais são então levados a dar três voltas em redor da capela, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Esta tradição é já antiga. Por exemplo, nos seus "Apólogos Dialogais" escreveu D. Francisco Manuel de Melo, que viveu no séc. XVII: «Porem agora, que huma Corte tão luzida, como a da nossa Lisboa; a qual não há inveja a nenhuma Christandade, vos anda à roda sempre, como gado vacum, em torno da Ermida de S. Mamede, que podeis envejar que não seja vicio?»

Sobre este e outros cultos a Diana e suas reminiscências atuais, leia-se o artigo do Dr. Fernando Castelo-Branco intitulado "Vestígios do culto de Diana em Portugal" e publicado em http://s2.excoboard.com/Lealdade_Sacra/64672/330855. Leia-se também a página dedicada a este templo publicada pelo Janas Futebol Clube em http://janasfc.wix.com/janasfutebolclube#!smamede/c1rhh.


Interior da capela de São Mamede de Janas (Foto: Janas Futebol Clube)

06 abril 2014

Viva a paz


Margarida, pelo cantor angolano Eddy Tussa

03 abril 2014

Propaganda ridícula

Um "D. Afonso Henriques" com a cara de Salazar